As palavras que a escritora Marguerite Yourcenar
escreveu no pós-guerra, em "Memórias de Adriano", são de uma
atualidade arrepiante.” Nunca prestei
grande atenção às pessoas bem intencionadas que dizem que a felicidade excita,
que a liberdade enfraquece e que a humanidade corrompe aqueles sobre quem é
exercida” . Pode ser, mas, no estado habitual do mundo, é como recusar a
alimentação necessária a um homem emagrecido com receio de que alguns anos
depois ele possa sofrer de superabundância.
Portugal parece ter sido atingido por uma espécie de moral regeneradora,
ouvem-se discurso proféticos que ditam
que a luxúria e a abundância que têm marcado
a felicidade dos portugueses vão ser erradicadas para dar lugar a uma
sociedade onde a liberdade e a humanidade assentam na disciplina e austeridade.
Só que essa carapuça não serve a um povo que nunca viveu na opulência e quando
começou a ter uma vida melhor, disseram-lhe "Basta". Mas não é isto que verga os portugueses. A
verdade é que a cada dia que passa é mais visível o estado de emagrecimento da
sociedade portuguesa. Portugal está a entrar num estado mórbido de anorexia
forçada e gravemente devastadora.
Recordo aqui as palavras que ouvi recentemente ao escritor António Lobo Antunes e que dão
conta da dignidade desta gente. Durante o período em que andou a fazer
tratamentos no Instituto Português de Oncologia, encontrou um homem dos seus 80
anos, que todas as semanas ia de Barrancos ao IPO, a Lisboa. Apesar do seu ar humilde e doente, não
prescindia do seu velho fato e gravata. Este homem nunca perdeu a compostura,
para o escritor ele representa a dignidade do povo português.
É essa dignidade que os nossos governantes não conhecem. Por isso, não
disfrutam de condições para valorizar as dificuldades deste povo. Dizia um
banqueiro que aguentamos mais austeridade. Talvez tenha razão, porque este povo
já demonstrou que é rijo e tem instinto de sobrevivência. Basta pensar que com
pão e ervas se faz uma açorda. No entanto, o que esse banqueiro não demonstrou
é como é que ele sobrevivia a um plano de austeridade que, de um dia para o
outro, colocasse em causa os seus investimentos e planos pessoais. Ele
esqueceu-se de outro pequeno grande detalhe: neste momento atirar mais
austeridade para cima do povo português é como recusar a alimentação necessária a um
homem emagrecido com receio de que alguns anos depois ele possa sofrer de
superabundância.
Portugal precisa de visão e de liderança do seu povo. O nosso país,
necessita de medidas credíveis de consolidação das políticas públicas,
adaptadas ao contexto, e não de medidas que desmantelem o sistema produtivo,
assente em pequenas e médias empresas que fecham porque a tributação aumenta e
o consumo baixa na sequência da desvalorização da força de trabalho.
Portugal precisa de um Estado eficiente que acabe com a paralisia
administrativa, com a burocracia opaca que contribui para a discricionariedade
das práticas, de acordo com os poderes e interesses instalados. Só um Estado
mais ágil, que se identifique com as pessoas, com as necessidades dos
investidores e dos territórios, pode acabar com o autoritarismo tecnocrático
que ignora as assimetrias regionais que separam Lisboa de Barrancos.
Portugal precisa de condições para o crescimento económico, precisa de
tempo para crescer. Este povo precisa que respeitem a sua dignidade e que seja
conduzido pelos caminhos da esperança, do trabalho e do futuro risonho para os
seus filhos.
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