As crianças e a crise em Portugal
Dia
20 novembro assinalam-se os 25 anos da
Convenção sobre
os Direitos da Criança
"Alguns
[colegas
da escola] não devem comer muito, ou
mesmo, não devem ter refeições (...) eles não contam, mas dá para reparar"
(Dário, 15 anos). Palavras atentas de quem vive num país que, desde 2012,
tem cerca de 24% das suas crianças a viver em famílias que se encontram numa
situação de privação material.
O
testemunho do jovem Dário é um entre muitos que se podem ler no estudo sobre o
impacto da crise nas crianças, publicado recentemente pelo Comité Português da
Unicef. Nesse estudo deu-se voz às crianças para dizerem o que sentiam e
pensavam sobre os efeitos da crise nas suas vidas e essas opiniões não deixam
ninguém indiferente. Estas crianças
dormem com a crise dentro de casa, a insegurança que sentem está bem presente
na forma como falam das suas famílias, da realidade em que vivem:
-
"Eles [os pais]
andam sempre um bocado enervados porque não conseguem arranjar emprego" (David,
10 anos);
- "Tenho medo de ficar pobre. Os meus
pais ficarem os dois sem emprego e depois... e depois não terem dinheiro para
pagar as coisas" (Carolina, 11 anos);
- "A eletricidade é assim, às vezes pagam
os meus avós e o outro mês pagamos nós" (Daniel 10, anos).
Estas
situações acontecem num contexto em que, entre 2010 e 2013, por um lado, houve
uma redução significativa no apoio económico do Estado português às
famílias e, por outro lado, um
significativo aumento de impostos. O estudo mostra que as crianças têm
consciência de que a crise está a comprometer o seu presente e o seu futuro
enquanto geração.
A verdade
é que as crianças sentem e pensam mas as suas vozes não se ouvem. Vejamos o que
nos dizem três crianças, entre muitas outras com problemas idênticos, sobre as repercussões
que a crise tem na sua alimentação, no apoio escolar e no acesso às novas
tecnologias:
-
"Ela [mãe] também comprava daqueles suminhos pequenino para levar para
meio da manhã. Agora tenho levado uma sandes para meio da manhã sem nada para
beber" (Leonor, 15 anos);
- "No ano passado andava numa explicação,
andava num centro de estudo, ia para lá todas as tardes, depois saí... por
causa do dinheiro sai de lá". (Sara, 15 anos)
-"Sim, vou deixar de ter (...) internet.
Porque dizem [os pais ]que estão a pagar muito". (Filipe, 11 anos);
Se
somarmos a isto os números do insucesso e abandono escolar, das crianças
vítimas de maus tratos e negligência, e uma realidade menos visível que é a das
107 crianças órfãs de mães que morreram
vítimas de violência doméstica, entre
2012 e 2013, ficamos com consciência do que há a fazer na área da proteção às
crianças e jovens.
A situação
das crianças em Portugal e as suas declarações dizem-nos, para quem quiser
ouvir, que os seus direitos precisam de ser reforçados. Portugal precisa de um
olhar global e integrado sobre as diversas políticas com impacto no seu bem
estar e desenvolvimento.
É urgente
criar uma política nacional para as crianças, jovens e suas famílias. É
determinante criar uma estrutura nacional que monitorize a aplicação da Convenção
sobre os Direitos da Criança, em Portugal.
É tempo de
inscrever as crianças como uma prioridade do Estado português, num tempo em que
as crianças são um bem raro, vidas de esperança para um país com desejo de
futuro.
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