Criei este blog enquanto instrumento de aproximação às cidadãs e aos cidadãos. É um conceito simples que visa partilhar os percursos, o trabalho e a visão das coisas de uma mulher, cidadã, politicamente comprometida no exercício da sua primeira experiência parlamentar e conhecer as opiniões e sugestões de quem me contacta, por exemplo, as suas.

A José Nascimento e António Barbosa agradeço respectivamente, a fotografia e a música.


As crianças e a crise em Portugal

                              Dia 20 novembro assinalam-se os 25 anos da

                                  Convenção sobre os Direitos da Criança

 

"Alguns [colegas da escola] não devem comer muito, ou mesmo, não devem ter refeições (...) eles não contam, mas dá para reparar" (Dário, 15 anos). Palavras atentas de quem vive num país que, desde 2012, tem cerca de 24% das suas crianças a viver em famílias que se encontram numa situação de privação material.
O testemunho do jovem Dário é um entre muitos que se podem ler no estudo sobre o impacto da crise nas crianças, publicado recentemente pelo Comité Português da Unicef. Nesse estudo deu-se voz às crianças para dizerem o que sentiam e pensavam sobre os efeitos da crise nas suas vidas e essas opiniões não deixam ninguém indiferente.  Estas crianças dormem com a crise dentro de casa, a insegurança que sentem está bem presente na forma como falam das suas famílias, da realidade em que vivem:
- "Eles [os pais] andam sempre um bocado enervados porque não conseguem arranjar emprego" (David, 10 anos);
- "Tenho medo de ficar pobre. Os meus pais ficarem os dois sem emprego e depois... e depois não terem dinheiro para pagar as coisas" (Carolina, 11 anos);
- "A eletricidade é assim, às vezes pagam os meus avós e o outro mês pagamos nós" (Daniel 10, anos).
Estas situações acontecem num contexto em que, entre 2010 e 2013, por um lado, houve uma redução significativa no apoio económico do Estado português às famílias  e, por outro lado, um significativo aumento de impostos. O estudo mostra que as crianças têm consciência de que a crise está a comprometer o seu presente e o seu futuro enquanto geração.
A verdade é que as crianças sentem e pensam mas as suas vozes não se ouvem. Vejamos o que nos dizem três crianças, entre muitas outras com problemas idênticos, sobre as repercussões que a crise tem na sua alimentação, no apoio escolar e no acesso às novas tecnologias:
- "Ela [mãe] também comprava daqueles suminhos pequenino para levar para meio da manhã. Agora tenho levado uma sandes para meio da manhã sem nada para beber" (Leonor, 15 anos);
- "No ano passado andava numa explicação, andava num centro de estudo, ia para lá todas as tardes, depois saí... por causa do dinheiro sai de lá". (Sara, 15 anos)
-"Sim, vou deixar de ter (...) internet. Porque dizem [os pais ]que estão a pagar muito". (Filipe, 11 anos);
Se somarmos a isto os números do insucesso e abandono escolar, das crianças vítimas de maus tratos e negligência, e uma realidade menos visível que é a das 107 crianças órfãs de mães que morreram vítimas de violência doméstica, entre 2012 e 2013, ficamos com consciência do que há a fazer na área da proteção às crianças e jovens.
A situação das crianças em Portugal e as suas declarações dizem-nos, para quem quiser ouvir, que os seus direitos precisam de ser reforçados. Portugal precisa de um olhar global e integrado sobre as diversas políticas com impacto no seu bem estar e desenvolvimento.
É urgente criar uma política nacional para as crianças, jovens e suas famílias. É determinante criar uma estrutura nacional que monitorize a aplicação da Convenção sobre os Direitos da Criança, em Portugal.
É tempo de inscrever as crianças como uma prioridade do Estado português, num tempo em que as crianças são um bem raro, vidas de esperança para um país com desejo de futuro.  

 

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