Três séculos
de retrocesso
"Hey por bem e mando que todo e qualquer
estudante que por obra ou palavra ofender a outro com o pretexto de novato,
ainda que seja levemente, lhe sejam riscados os cursos."
Estas palavras foram proferidas, em 1727, por D. João
V, na sequência da morte de um aluno da Universidade. Esta referência ajuda-nos
a refrescar a memória sobre práticas violentas que desde sempre estiverem
presentes em algumas praxes.
O
exagero, a brutalidade, a violência e os crimes não são paradigmáticos das
praxes. Os comportamentos ilícitos, os consumos impróprios, os erros fatídicos
acontecem em qualquer setor das comunidades. No entanto, há ambientes mais
propícios a isso que outros.
Se
tivermos curiosidade em conhecer a origem das praxes e as vicissitudes a que
estiveram associadas ao longo da nossa história, facilmente percebemos que não
são propriamente um hino à boa conduta na receção e integração dos alunos.
Infelizmente foi preciso acontecer a tragédia do Meco para inscrever este
assunto na agenda da sociedade.
É certo que as universidades não têm
qualquer direito a impor normas de conduta aos estudantes, excetuando os
comportamentos dentro do campus. No entanto, a universidade é expressão de uma
comunidade educativa que tem o dever de tomar posição sobre assuntos que têm
origem na cultura da universidade. Na minha altura recordo-me de ter saído da
sala assim que me apercebi que a praxe ia ter início, mas muitas colegas acabaram
por ir descalças para casa, o que em Lisboa não é propiamente simpático.
As práticas de certas praxes assemelham-se a
"bullying" exercido nas
universidades. Aliás, é curioso que "bully"
signifique valentão e que a praxe tenha por lema: "Dura
Praxis, Sed praxis", ou seja, "A praxe é dura, mas é a praxe". As praxes marcadas pela
humilhação, tal como o bullying, são agressões
intencionais, verbais ou físicas, exercidas por alunos contra colegas. Talvez
seja mais difícil de enquadrar o caracter repetitivo associado ao bullying, mas tudo depende do que se
entender por ação repetida!
Face às situações que têm vindo a público, é caso para dizer que
precisamos de um programa de
prevenção de riscos das praxes. Há pessoas com boas intenções, o
problema é que o poder simbólico associado aos rituais das praxes é propício a
que certas personalidades se revelem no pior do ser humano.
As
praxis académicas são comportamentos de grupo e com frequência são
irreverentes para o status quo, até
aqui não há problema. Não se trata de moralizar comportamentos, mas de exigir
que decorram no respeito pela segurança e integridade dos alunos.
Apesar da adesão às praxes ser livre, o clima que as envolve nem sempre
permite aos alunos dizerem "Não". Por tudo isto, associo-me a todos
os que defendem que é tempo de rever as dinâmicas das praxes e de construir uma
cultura edificante da vida académica, onde prevaleça o espírito saudável de
coesão e de entreajuda entre os alunos.
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