Mulheres em cativeiro
Existem diferentes formas de
cativeiro e nenhuma delas é boa.
Falamos de quê? Do silêncio
em que vivem muitas mulheres, prisioneiras em torres de vidro. Cruzamo-nos com
elas no supermercado, onde circulam um passo atrás do carrinho de compras empurrado
por maridos que decidem o que entra em casa, inclusive o que a família come ou
não come. No emprego a coisa é ainda mais difícil de reconhecer, para uma
mulher é mais fácil justificar uma noite de violência psicológica ou física,
uma enxaqueca ou uma queda azarada.
As coisas acontecem e nós
não nos damos conta. A mulher acaba por viver fechada em si própria, a discrição
dos seus movimentos (justificada pela vergonha e pelo medo) faz com que ninguém
se aperceba do cativeiro em que vive. No entanto, ela está ali, na fila para a
caixa do supermercado, sentada na secretária ao nosso lado ou na imagem refletida
no espelho à nossa frente. Acontece a mulheres de todas as idades e condições
socioeconómicas.
Às vezes tudo começa com um
comentário (aparentemente) desinteressado da parte do marido/companheiro, com o
objetivo de desvalorizar a mulher e que repetido de forma continua, com
diferentes nuances, produz o efeito pretendido: uma baixa autoestima por parte
da mulher, tornando-a vulnerável e mais fácil de controlar. A subtileza das
atitudes acaba por tornar as coisas confusas e levar a vítima a acreditar que é
culpada das reações do agressor, mesmo quando racionalmente sabe que não tem
culpa.
Outras vezes tudo acontece
entre um tom de voz grave, às vezes ameaçador, e uma expressão de (quase)
ternura. Desta forma cria insegurança no outro que nunca sabe se o seu
comportamento merece ser punido ou premiado. A violência é psicológica. A
vítima está sempre na expetativa que as coisas mudem. Ainda não perdeu a
esperança. Um dia a coisa complica-se. O marido/companheiro bate-lhe. Depois
mostra-se arrependido ou não. A sua atitude é justificada com as próprias reações
da mulher, com os ciúmes que diz sentir ou com os problemas no trabalho,
qualquer razão serve.
Muitas vezes é o fim. Tudo
acaba com um suicídio. E raramente se saberá o que o motivou. O cativeiro
termina em silêncio, tal como começou e permaneceu durante anos. Outras vezes
acaba com um homicídio, resultado de anos de violência ou de uma tentativa de
separação, por parte da vítima, que visa pôr termo a um ciclo de sofrimento.
As descrições que fiz são
aproximações a uma realidade complexa, policromada, que se esconde na sombra
das relações entre as pessoas. E se é verdade que as vítimas de violência
doméstica também podem ser homens, na realidade, a esmagadora maioria são
mulheres. Enquanto este tormento durar devemos assinalar o Dia Internacional da
Mulher, vestidos de preto.
Bem hajam todas as pessoas
que respeitam os Direitos Humanos das Mulheres e dos Homens.
in Jornal Diário do Sul, março 2015
Sem comentários:
Enviar um comentário